REDE DE MULHERES PARLAMENTARES: CONFERÊNCIA INTERNACIONAL ANALISOU SITUAÇÃO DA MULHER NA POLÍTICA

REDE DE MULHERES PARLAMENTARES: CONFERÊNCIA INTERNACIONAL ANALISOU SITUAÇÃO DA MULHER NA POLÍTICA

A Rede de Mulheres Parlamentares (RPM-CV), em parceria com o ICIEG (Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade do Género), realizou uma conferência internacional subordinada ao tema “A mulher na política”. Durante dois dias, o evento reuniu mulheres de todos os concelhos do país, e contou com a presença de representantes do Rwanda e Espanha, países com experiência na participação política das mulheres. A participação das mulheres nos órgãos de decisão e nos órgãos electivos em Cabo Verde, e a participação equilibrada de mulheres e homens no processo de decisão, foram os temas dos três painéi realizados. 

De acordo com Hermínia Ferreira, presidente da Rede de Mulheres Parlamentares, o objectivo da conferência era reunir mulheres e homens, de todos os partidos políticos. “Nós chegamos à conclusão que, se no governo temos paridade, no parlamento temos um número muito irrisório de mulheres. Queremos sensibilizar as mulheres para a entrada para a lista, e os decisores políticos também para a inclusão das mulheres em mulheres elegíveis”, afirma. 

Cláudia Rodrigues, presidente do ICIEG, defende que a realização da conferência em vésperas de eleições em Cabo Verde assume uma grande importância, na medida em que permite uma reflexão sobre a importância de listas paritárias nas eleições em 2011. “A participação feminina, representativa das mulheres, deverá estar em pé de igualdade, no próximo Parlamento cabo-verdiano. É uma exigência das mulheres cabo-verdianas, que eu penso que os homens estão preparados para receber essa proposta, e abraçá-la como uma causa nacional”, defende. 

Aristides Lima, presidente da Assembleia Nacional, salientou o facto de a conferência permitir “a troca de experiências entre mulheres do país, e de países de referência”. 

A situação em Cabo Verde

Cabo Verde é um dos três países do mundo onde existe paridade no Governo, juntamente com a Espanha e Finlândia. No entanto, no que se refere ao Parlamento., a média anual de mulheres não ultrapassa os 16%. Actualmente, dos 72 deputados, apenas 11 são mulheres. 

Filomena Delgado, deputada do Movimento para a Democracia (MpD), salienta o facto de, em Cabo Verde, em termos de percentagem haver mais mulheres do que homens. “Quer dizer que, no Parlamento, para termos uma democracia real, teremos que ter também mulheres e homens que compõe a nossa sociedade”, explica. Para além disso, afirma que muitas vezes há questões que as mulheres podem levar para o Parlamento, “que os homens poderão não ter interesse em mostrar, ou não têm a mesma sensibilidade. Algumas questões são do quotidiano das mulheres, por isso as mulheres é que terão de batalhar para isso. Não podem delegar a outros”, explica. 

Para Roselma Évora, quando se analisa a situação actual da participação política da mulher em Cabo Verde, podem-se identificar alguns avanços. Reconhece, no entanto, que ainda há um longo caminho a percorrer. “Nos cargos electivos importantes, dentro dos partidos políticos, as mulheres continuam em desvantagem, sendo excluídas. Acredito que o Parlamento é a primeira esfera onde se demonstra que o país está a caminhar para uma igualdade de género. Isso tem mais a ver com direitos humanos, não é uma guerra de sexos”, afirma a especialista. 

Quando questionada se a mulher cabo-verdiana tem consciência da importância da sua participação na política, Hermínia Ferreira defende que houve uma mudança nas últimas gerações. “Na minha geração havia um certo medo de participar na política. Mas, hoje em dia, acho que a camada jovem quer participar, mas tem que ser também chamada e tem que ter visibilidade na sociedade, para que possa ocupar algum lugar de destaque na política”, reitera. 

Pietra Lantz, representante das Nações Unidas em Cabo Verde, chama a atenção para o facto de o objectivo de aumentar a quantidade de mulheres na política ser mais amplo do que conseguir a paridade. O importante é que “o Parlamento represente os interesses de toda a população cabo-verdiana”. 

Oportunidade ou interesse

Filomena Delgado afirma que “o que se ouve habitualmente são os líderes dos partidos políticos a dizerem: vamos ter mais mulheres. Mas, quando chega a hora de fazer as listas, as mulheres não ficam em lugares elegíveis”. Para a deputada, isto poderá ser um factor que explica a baixa percentagem de mulheres no Parlamento em Cabo Verde. “Se formos ver, quando é o trabalho de base, de mobilizar pessoa, campanhas, etc., vão buscar as mulheres, porque sabem que as mulheres dedicam-se e trabalham. Mas, quando chega a altura, porque os próprios homens também estão a brigar por um lugar elegível, as mulheres são relegadas para os lugares não elegíveis”, enuncia. Delgado reconhece, no entanto, que para que o cenário se altere é preciso que “as mulheres tenham consciência do papel que podem ter, e que esta mudança dependerá delas”.

Roselma Évora defende que existem muitos factores que explicam a fraca participação das mulheres. Enuncia os exemplos da estrutura familiar e da forma como é organizado o relacionamento homem/mulher em Cabo Verde, que acaba por traduzir o que temos a nível institucional. “Não acredito que seja apenas falta de oportunidade e de engajamento delas. Acho qeu há um conjunto de circunstâncias que dificultam que elas atinjam posições electivas, que lhes permita ter poder. Temos uma sociedade que é ainda muito patriarcal, muito machista. A mulher tem receio de se expor, porque a vida privada é posta em casa e nem sempre nós estamos dispostas a pagar por isso. Em Cabo Verde, trazemos sempre a questão da vida privada da mulher quando ela ocupa um espaço na política, e isso condiciona”, refere.

Júlia Sevilha salienta as dificuldades de entradas das mulheres na política. “As mulheres estão enquadradas num estereótipo, com funções concretas, que a eles (homens) lhes é muito cómodo, para a sua organização da vida. Saem de manhã, regressam a casa à noite, têm família, têm filhos, e não se preocupam com nada destas questões, porque têm uma mulher à sua disposição. Isso é algo que resulta do papel que foi ensinado às mulheres. Os homens pensam que representam as mulheres, não se dão conta que a igualdade é a presença de ambos os sexos”, afirma. 

Soluções

O Relatório Progresso da Mulher no Mundo, referente a 2008/2009, indica que, se a evolução da participação da mulher na política manter-se ao mesmo ritmo dos últimos anos, só se conseguirá atingir uma situação de paridade em 2045. 

Aristides Lima defende a implemen
tação de quotas para reverter a situação. “Já se viu, em vários países do mundo, que as quotas ajudaram a repor os equilíbrios naturais”. Para Lima, com mais mulheres na política, “a sociedade é que tem a ganhar, porque faz entrar no processo de decisão uma visão diferente. As mulheres, pelo lugar que ocupam na sociedade, pelo seu percurso de vida, têm uma perspectiva que é naturalmente distinta da dos homens”. 

O Rwanda é o país do mundo que mais se aproxima da paridade, com 56% de mulheres na Câmara Baixa do Parlamento, e 35% no Senado. Marie Mukantabana, senadora do Rwanda, afirmou que um dos factores que explica a grande representatividade das mulheres no Parlamento rwandês, deve-se a factores históricos. “Foi um processo que teve origem após o período do genocídio de 1994, onde o país foi destruído. Quisemos construir o país e mudar, no sistema, todas as discriminações que havia antes, e corrigi-las. Assim, durante a revisão da Constituição, instituímos o sistema de quotas, em que as mulheres tinham 30% em todas as instâncias de poder. Sensibilizamos as mulheres, para que ocupassem os postos, seja nos partidos políticos, seja nos postos administrativos”, explica. Mukantabana salientou a importância da participação das mulheres na política. “No passado, a política era uma questão dos homens, sobretudo em África. Mas, já se notou que os homens não fizeram bem a política. A mulher tem uma outra forma de ver as coisas, uma melhor forma”, refere.

Júlia Sevilha, investigadora espanhola, explica igualmente que a grande participação de mulheres na política em Espanha também deveu-se a um sistema de quotas. “Aprovou-se uma lei que obriga os partidos políticos a apresentarem candidaturas com listas com, no mínimo, 40% de mulheres. Antes, os partidos políticos tinham aprovado normas internas, também para potenciar a percentagem das mulheres. A lei o que fez foi regular e legalizar o que faziam os partidos políticos”, avança. Defende assim que a solução para aumentar a participação das mulheres na política está na legislação, pois “os partidos políticos, de uma forma natural, não o fazem”, reitera. Para Sevilha, “independentemente da missão e do projecto político, o importante é que o que é democraticamente correcto é que as mulheres estejam representadas”. 

Roselma Évora reconhece que a quota “é uma situação delicada, porque gera injustiça”. No entanto, refere que “em situações de injustiça estruturais, às vezes é preciso cometer injustiça. Elas estão nos partidos, mas não estão efectivamente, a exercer poder. Então, alguma coisa tem que ser feita, para que elas possam sentir-se estimuladas”.

Para Euridice Monteiro, as quotas são uma solução. “Sou favorável à adopção de mecanismos institucionais que estabeleçam, não só a níveis de cargos de eleição, mas também a nível de cargos de nomeação, critérios. Da mesma forma que temos uma delimitação dos círculos eleitorais: Santiago Norte tem direito a 14 mandatos, Santiago Sul 17 mandatos, São Vicente a 12, Sal a 3, etc., também seria interessante dizer que cada sexo tem direito a x representação, no mínimo e no máximo. Isso seria uma forma de melhorar o défice de participação”, explica. 

Perspectivas para 2011

A socióloga Euridice Monteiro apresentou uma simulação das legislativas de 2011. “Fizemos uma análise da sociedade cabo-verdiana, em termos de experiência eleitoral, da participação das mulheres nas eleições, da eleição de mulheres aqui em Cabo Verde. Com base no Código Eleitoral, tentamos simular algumas possibilidades de eleição de mulheres nas próximas eleições. Diante da simulação, o que se percebe é que existem círculos eleitorais com tendência para uma maior eleição de mulheres, como São Vicente, Santiago Sul. A situação mais preocupante é o círculo eleitoral de Santiago Norte”, afirma. 

Quando questionada sobre a possibilidade de se conseguir paridade no Parlamento já em 2011, é peremptória: “Será muito difícil, para não dizer impossível”. Um dos factores que impede isso é o facto das lideranças partidárias estarem masculinizadas.”Para governo é mais fácil, uma vez que depende de um processo de nomeação. Para um processo de eleição, uma vez que há jogos políticos e estratégias eleitoralistas envolvidas, será muito mais difícil.”. Ainda assim, acredita que tudo depende dos partidos. “Os dois maiores políticos cabo-verdianos poderão fazer um esforço, no sentido de melhorar este quadro de participação política das mulheres”, defende. Além disso, defende que as instituições deveriam estabelecer metas. “Proponho uma meta de, no mínimo, 40% de mulheres no Parlamento, para que tenham capacidade de decisão mesmo a nível da legislação”, reitera. 

Roselma Évora também não acredita que se consiga paridade no Parlamento com as próximas eleições, a não ser que haja uma “transformação normativa” antes disso. “Acredito que não vai ser assim tão diferente, a não ser que os partidos políticos tenham a capacidade de ser ousados e de trazer as mulheres que estão dentro do partido para posições elas merecem”, reitera. Hermínia Ferreira, acredita que “podemos não ter paridade, mas de certeza absoluta que vamos aumentar o número de mulheres no Parlamento”. 

Para Cláudia Rodrigues, é possível que se consiga atingir a paridade política no já na próxima legislatura, “desde que haja vontade política dos partidos maioritários para criar listas paritárias”. Conclui afirmando que “a democracia só se faz quando há uma verdadeira representatividade da população, e o facto de termos apenas 15% de mulheres no Parlamento não é representativo da população cabo-verdiana”. 

Pietra Lantz refere que conseguir a paridade em 2011 “seria o desejável”, mas defende que trata-se de “um processo, que envolve muitas actividades”, pelo que deve ser um objectivo para o futuro. Ainda assim, salienta uma vantagem da participação das mulheres na política. “Quando se olha para alguns exemplos no mundo, pode-se notar que quando as mulheres estão no poder, há menos conflitos internacionais”, enuncia. Lantz enuncia a criação da ONU Women, em Julho deste ano, cujo Conselho de Administração inclui Cabo Verde. Para Lantz, este facto assume particular importância, pois “pode impulsionar ainda mais progresso, no âmbito da equidade na participação política em Cabo Verde, fazendo com que o país se torne um bom exemplo para o mundo”. 

Balanço positivo

No final do event
o, Hermínia Ferreira estava satisfeita. “As experiências, por exemplo, do Rwanda até podem ser postas em prática aqui em Cabo Verde. Vimos a força e a dinâmica que Espanha tem, e que nós também podemos ter”, afirmou. A partir do evento, irão ser elaboradas um conjunto de recomendações. “O documento vai mostrar os caminhos, as perspectivas, o que é que vamos fazer a partir daqui. Vamos levar essas preocupações aos líderes políticos para que sejam implementadas”, afirmou. 

A presidente da Rede das Mulheres Parlamentares avança que as principais recomendações prendem-se com a necessidade de se continuar a trabalhar, de fomentar uma maior aproximação da sociedade civil em relação ao tema, e conferir ferramentas às mulheres que lhes permitam participar activamente e ter maior visibilidade na vida política cabo-verdiana. Em suma, há que “sensibilizar mulheres para participar, e sensibilizar líderes políticos para a entrada das mulheres nas listas, porque é nos partidos políticos que tudo começa”.

22-11-2010, 10:51:01
Ilda Fortes, Redacção Praia

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