PROTESTOS CONTRA AUMENTOS NOS ALIMENTOS MULTIPLICAM-SE NAS CIDADES ARGELINAS
PROTESTOS CONTRA AUMENTOS NOS ALIMENTOS MULTIPLICAM-SE NAS CIDADES ARGELINAS
Um dia depois de centenas de jovens terem atacado uma esquadra e incendiado um concessionário de automóveis num bairro popular de Argel, na quinta-feira dezenas de manifestantes queimaram pneus, derrubaram árvores para cortar estradas e forçaram a entrada num armazém para roubar sacos de farinha em Oran, cidade 400 quilómetros a oeste da capital da Argélia.
Nos últimos meses têm-se verificado surtos de protesto localizados, especialmente contra a falta de habitação social e a corrupção do Estado. Janeiro trouxe aumentos dos preços de bens básicos e esse foi o último catalisador de uma fúria cada vez mais visível e ruidosa um pouco por todo o país.
Segundo a União Geral dos Comerciantes, os aumentos foram consideráveis, alguns “de 20 a 30 por cento”, especialmente no açúcar e no óleo, mas também no pão ou na farinha.
Para além de Argel e Oran, ontem registaram-se protestos pelo menos em Boumerdès, Béjaia, Djelfa, Cheraga, Ain Benian ou Tipaza, região onde há 20 anos que não havia manifestações de qualquer tipo.
A Argélia é um país rico e muito jovem: 75 por cento dos 35 milhões de habitantes têm menos de 30 anos e mais de 20 por cento destes estão no desemprego sem entender porquê. E apesar das promessas do Presidente Abdelaziz Bouteflika, que em 2009 anunciou a construção de um milhão de apartamentos (a população triplicou desde a independência, em 1962), muitas pessoas têm-se visto desalojadas de bairros ilegais sem que lhes seja oferecida qualquer alternativa.
Efeito de contágio
“Temo que a situação se esteja a inflamar”, diz Mohammed Saib Musette, sociólogo argelino ouvido pela AFP. “Há um efeito de contágio quando pensamos no que se passa na Tunísia”, sublinha Musette, notando que os contextos políticos e económicos dos dois países são diferentes. Na Argélia “há mais liberdades” e trata-se “de um país muito rico” graças às reservas de hidrocarbonetos.
Na vizinha Tunísia, país governado com mão de ferro por Zine El Abidine Ben Ali desde 1987 e onde o desemprego entre os jovens chega aos 30 por cento, os protestos começaram ainda Dezembro, desencadeados pelo suicídio de um vendedor de rua que a polícia expulsara por não ter licença. Mohamed Bouazizi, de 26 anos, imolou-se pelo fogo diante de uma sede do governo local no dia 17, acabando por morrer dos ferimentos esta semana.
Quarta-feira, cinco mil pessoas reuniram-se para o enterrar em Sidi Bouzid, pequena cidade a 260 quilómetros de Tunes que se tornou no epicentro das protestos contra o Governo.
Para além de Bouazizi, outras três pessoas já morreram, incluindo um segundo jovem que se suicidou electrocutando-se depois de gritar “não à miséria, não ao desemprego”. Duas pessoas morreram em confrontos com a polícia, que reprimiu ainda com brutalidade uma concentração de advogados em solidariedade com os manifestantes. Ontem, os advogados fizeram greve em todo o país.
E já esta semana, em Sidi Bouzid, uma mulher tentou suicidar-se subindo a um poste de electricidade com os três filhos. Pedia casa e emprego.
Um dos países do mundo onde a Internet é mais controlada, a Tunísia também é o país da região onde há mais gente a comunicar através das redes sociais da Web. O regime tentou bloquear os internautas que ensaiam a organização dos protestos e estes ripostaram pedindo ajuda ao Anonymous, grupo que atacou as empresas que cortaram com a WikiLeaks. Pelo menos cinco sites do Governo de Ben Ali chegaram a estar bloqueados.
Na Argélia, os protestos são comuns, mas não nesta dimensão. Alguns observadores desenham já comparações com ciclos de revoltas anteriores, como as que começaram em 1980 e terminaram oito anos depois, abanando o regime e pondo fim ao sistema de partido único. Na Tunísia nunca se viu nada assim, com a audácia de manifestantes que gritam “Ben Ali fora”. O Presidente fez uma pequena remodelação governamental e continua a denunciar a “instrumentalização política” da morte do jovem de Sidi Bouzid. Os activistas denunciam muitas detenções entre os jovens e prometem que os protestos não vão terminar.