O NOVO “CONSENSO DE BERLIM”

O NOVO “CONSENSO DE BERLIM”

Por Teresa de Sousa

 1. Em Maio do ano passado, quando a crise da dívida grega colocou a Europa à beira do precipício, a questão que se colocava era, na pior das hipóteses, a da própria sobrevivência do euro ou, na melhor, alijá-lo da carga incómoda dos países endividados do Sul. Nessa altura, para o Governo português, a ordem de batalha era simples, mesmo que fosse dramática: Portugal faria tudo para continuar na união monetária. Foi isso que José Sócrates disse a Angela Merkel na célebre cimeira de Maio que criou o fundo de resgate europeu.

Passou quase um ano. À Grécia seguiu-se o socorro à Irlanda e Portugal esteve quase sempre na linha de mira. A diferença é que a Alemanha foi progressivamente reescrevendo as condições de funcionamento da união monetária que passaria a exigir. O seu interesse é um euro “estável e forte”. É isso que quer garantir e é esse novo contrato que está hoje a ser negociado, sem que estejam ainda todas as cartas em cima da mesa. Phillip Whyte, do Centre for European Reform, chama-lhe o novo “consenso de Berlim”. Implica um “caminho da redenção” que os países altamente endividados e pouco competitivos da periferia terão de percorrer para pertencerem ao clube. 

Para o Governo português a ordem de batalha passou a ser: Portugal está disposto a aceitar o novo contrato para o euro, com tudo o que isso implica, mas não o quer fazer como um país falido. Fará tudo o que estiver ao seu alcance para não ter de recorrer ao fundo europeu, evitando o mesmo destino da Grécia e da Irlanda, pelo menos nas condições actualmente existentes. Foi isso que José Sócrates foi ontem dizer à chanceler alemã. 

2. Mas o jogo ainda não está decidido. As negociações vão prolongar-se até ao dia 25 de Março, quando os líderes europeus se reunirem para uma cimeira que poderá ser de tudo ou nada. Até lá, Portugal estará sob observação intensa dos mercados e terá de eliminar todas as dúvidas que restam sobre a sua capacidade de corresponder aos novos requisitos da Alemanha. 

Berlim tirou as suas lições desta crise. Para que o euro possa funcionar nos termos que lhe interessam são precisas, fundamentalmente, duas coisas. Que todos os países-membros cumpram rigorosamente a disciplina financeira imposta pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, agora reforçado com uma série de mecanismos de fiscalização preventiva e ameaça de sanções. Que as respectivas economias garantam os ganhos de competitividade indispensáveis à sua sustentabilidade a prazo. Por outras palavras, Portugal não tem apenas de pôr as suas finanças em ordem, tem também de garantir no futuro uma balança de transacções correntes muito mais equilibrada, através do aumento de competitividade da sua economia. Berlim oferece a receita: um “pacto de competitividade”, desenhado à imagem e semelhança do seu próprio sucesso económico. 

A desconfiança de Berlim – e a desconfiança dos mercados – não é apenas sobre a determinação do Governo em reduzir o défice. As dúvidas alemãs – e as dos mercados – concentram-se nas fracas perspectivas de crescimento de Portugal. O que Merkel provavelmente pediu a Sócrates ontem foram mais reformas económicas, sociais e políticas que potenciem esse crescimento. A questão está em saber se o Governo ainda tem a margem de manobra política para seguir esse caminho. 

3. Sócrates tem uma boa relação com a chanceler alemã, com quem trabalha no Conselho Europeu há quase seis anos. Sabe que essa relação é fundamental e que é a ela que tem de convencer de que ainda vale a pena apostar no seu Governo. Já não lhe restam muitos aliados. Madrid esqueceu qualquer solidariedade socialista ou ibérica e procura a todo o custo mostrar, por actos e omissões, que os dois países não navegam no mesmo barco. A Comissão nem sempre se tem mostrado solidária. Internamente, um PSD hesitante entre o desejo de uma crise agora e o medo das suas consequências – que quer a entrada do Fundo e não quer a entrada do Fundo – alimenta o clima de incerteza. 

 

Sócrates joga neste trade-off europeu o seu futuro político. Se a União concluir um acordo global satisfatório no final do mês, a pressão dos mercados poderá abrandar e o seu Governo poderá respirar. Merkel precisa de mais algum tempo e de mais alguns argumentos para conseguir margem de manobra interna para negociar em Bruxelas. Seria uma derrota, se, no dia 25, regressasse a casa sem um acordo global. Mas só pode regressar com um acordo que possa apresentar como uma vitória. Março será ainda o mês de todos os perigos.

 

 

 

FONTE: http://www.publico.pt/Mundo/comentario-o-novo-consenso-de-berlim_1483107

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