O MAIOR DESASTRE AMBIENTAL DA HISTÓRIA DA ÁFRICA
O MAIOR DESASTRE AMBIENTAL DA HISTÓRIA DA ÁFRICA
No ano passado, muito se falou do desastre causado pela empresa de petróleo britânica BP no Golfo do México, com fatais e duradouras consequências para os norte-americanos. Estranhamente, porém, a grande mídia pouco informa sobre o que ocorre na Nigéria, mais precisamente no Delta do rio Níger: uma disputa por petróleo, envolvendo também a participação de grandes multinacionais do setor, e suas consequências ambientais e sociais, que já configuram o maior desastre ambiental da história africana.
No Congo, lavar diamantes; em Mali, colher algodão; em Gana, garimpar ouro; na Tanzânia, cortar sisal – na África, há muito trabalho duro e insalubre. Mas os perigos daquele realizado no Delta do rio Níger – onde vivem 30 milhões de seres humanos-, ultrapassa a imaginação: ele envolve a busca de “petróleo cru” sob um calor tremendo, respirando-se um ar contaminado que penetra nos pulmões, um óleo que cola na pele. E o seu produto final é gasolina, querosene e diesel. As condições de trabalho são insuportáveis, e caso algum dos precários instrumentos de perfuração venha a explodir, a morte é certa. A Nigéria é um dos grandes produtores mundiais de petróleo, um pouco atrás do Brasil.
Os trabalhadores aceitam isso, dizendo que não lhes restam outra alternativa. Eles não podem dar entrevistas; tampouco estão autorizadas gravações ou fotos nessas refinarias ilegais. No Delta do rio Níger existem centenas delas. Ninguém sabe o número exato. O que se sabe é que após décadas dessa extração de petróleo, a terra e o rio estão contaminados.
Essa região da Nigéria é do tamanho da Bélgica. Todo ano, em 600 campos de exploração são extraídos 2,2 bilhões de barris do ouro negro, proporcionando ao Estado nigeriano e às multinacionais do ramo – Shell, Chevron, Agip, Mobil ou Total -, ganhos bilionários. Mas a população da área vive em condições extremamente precárias, alimentando-se como pode de milho, banana, carne de peixe ou de macaco. Muitos moradores do local trabalham também no corte da madeira, na construção de navios ou na elaboração do vinho extraido da palmeira.
A descoberta de fontes de petróleo na região aconteceu em 1958. Desde então, a maioria da população local sofre com os efeitos colaterais de sua exploração. Os seus moradores adoecem frequentemente e a expectativa média de vida baixou para menos de 40 anos – e isso não apenas na região do Delta. Nos últimos 50 anos, teriam sido derramados por terra e rios algo entre nove e 14 milhões de barris de petróleo cru, devido às precárias condições materiais de exploração e ao descaso das multinacionais.
Mas os acusados têm outra versão: a causa principal do desastre, não apenas o ambiental, seriam grupos de militantes nigerianos, tal como afirmou o vice-presidente da Shell na Nigéria, Babs Omotowa. Segundo ele, que se apoia em informações do governo nigeriano, todo ano seriam roubados cerca de 100.000 barris. O que equivaleria à soma de 3,3 bilhões de dólares. Esse empresário nigeriano também cita dados de um estudo feito por uma equipe de especialistas da ONU, indicando que a exploração ilegal e os atos de sabotagem seriam responsáveis por 90% do vazamento de petróleo. Mas tal estudo contou com um financiamento da Shell no valor de 9,5 milhões de dólares. Já os ativistas do meio ambiente que lutam contra essa exploração predatória usam a palavra greenwash – para caracterizar essa operação da Shell, que poderia ser entendida como uma propaganda voltada para a opinião pública no sentido de vender a sua imagem como sendo “amiga do meio-ambiente”.
Mas a questão ambiental está relacionada com a situação política, econômica e social da Nigéria. Há décadas, ocorre uma verdadeira batalha pela redistribuição pelo petróleo, envolvendo funcionários estatais corruptos e governadores, policiais e comandantes militares criminosos, o sindicato de traficantes de negros, incluindo até os bandos armados e os grupos rebeldes.
O principal grupo rebelde é o “Movimento pela emancipação do Delta do Níger”, fundado em 2000, após a brutal repressão sofrida pelo protesto pacífico por parte do governo local. Em 10 de novembro de 1995, o regime terrorista de Sani Abacha assasinou nove líderes desse protesto, entre eles Ken Saro-Wiwa. Desde então, muitos jovens recorrem às armas para defender seus direitos. Na prática, há uma “situação de guerra” na região. E até mesmo o já falecido presidente do país, Umaru Yar´Adua usou a expressão: “petróleo-sangue”.
Os militantes que lutam pela causa ambiental são permanentemente perseguidos e presos. Os pescadores reclamam que a poluição acabou com a sua atividade, o que afeta diretamente a alimentação e a vida de muitos moradores locais. A cada novo acidente ambiental, provocado pelas multinacionais do petróleo, elas sequer se dão ao trabalho de oferecer alguma explicação. Isso para não falar de indenização. Quando sofrem uma pressão maior, as multinacionais repetem a mesma “explicação”: “Foi sabotagem de bandidos e rebeldes.” Além disso, mesmo os esforços de advogados que buscam garantir os direitos da população atingida terminam sem resultado diante da recusa das grandes empresas em admitir qualquer responsabilidade na trágica situação.
Desse modo, os nigerianos atingidos se perguntam: “Por que o mundo inteiro se preocupou com o desastre no Golfo do México, na costa dos Estados Unidos, e ninguém se lembra de nós?”
Fonte: Die Zeit
Tradução de Luciano C. Martorano
FONTE: http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=146682&id_secao=10