Entidades da sociedade civil não estão convencidas do "sucesso" da Rio+20
Entidades da sociedade civil não estão convencidas do “sucesso” da Rio+20
Passados cerca de 15 dias do fim da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, o governo brasileiro e representantes da sociedade civil não se entendem sobre os resultados da reunião. Pelo discurso oficial, o fruto do encontro foi “pavimentar” uma nova agenda ambiental, agora conjugada explicitamente com causas sociais. Para a sociedade civil, faltaram acordos e divisões de responsabilidades concretas.
Rodrigo Otávio
Rio de Janeiro – Passados cerca de 15 dias do fim da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, o governo brasileiro, anfitrião do encontro, e representantes da sociedade civil não se entendem sobre os resultados da reunião de quase 200 chefes de estado no Rio de Janeiro. Pelo discurso oficial, o fruto do encontro foi o “pavimentar” de uma nova agenda ambiental, agora conjugada explicitamente com causas sociais. Para a sociedade civil, faltaram acordos e divisões de responsabilidades concretas. O ponto positivo do evento, para ambos, foi a ampliação do debate a partir da grande participação popular.
O discurso da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, é de que venceu o multilateralismo ao se conseguir pelo menos uma convergência de diversos países para o tema, ainda que diferentes realidades locais e a emergência de novos padrões no manejo dos recursos naturais cobrem ações mais diretas. Durante o seminário “O Legado da Rio+20”, realizado terça-feira (3) no Rio, a ministra classificou esse ganho político como tão importante quanto acordos específicos.
“Os processos nas Nações Unidas, dentro do multilateralismo, são extremamente distintos do processo de percepção da sociedade. Aquilo que as nações colocam na mesa e aquilo que de fato as suas sociedades demandam como ação emergencial”, disse ela, reconhecendo os dados científicos de crescente escassez ambiental como a luz vermelha a que os povos se prendem para cobrarem soluções.
“A diferença entre 92 e 2012 é a urgência que a sociedade coloca para os temas de sustentabilidade e para uma ação imediata. Em 2012 a demanda é de ação. E o resultado político da conferência não necessariamente expressa na velocidade aquilo que a sociedade está demandando”, completou.
Nesta concepção, Teixeira afirma que a Rio 92 tinha deixado lacunas de implementação e lacunas políticas no âmbito do multilateralismo. Assim, “a Rio+20 tinha que contextualizar isso e olhar para frente em uma ambição de declaração política, e não por acordos legalmente vinculantes, como são normalmente as práticas nas conferências”.
Retrocesso
Quanto ao documento oficial da Rio+20, ela diz que “a questão absolutamente importante era a de não retrocesso”, e, segundo Teixeira, “isso saiu firmemente na declaração do Brasil, foi um legado da sociedade brasileira. Existia uma forte tendência, por alguns países importantes, de reverem o legado de 92. Aquilo que para nós era óbvio, para muitos não era tão óbvio assim”.
Opinião não partilhada pelo ambientalista Carlos Tautz, coordenador do instituto Mais Democracia. “A conferência oficial significou um retrocesso. Na Rio 92 você conseguiu duas convenções. Uma virou o protocolo de Kyoto, que foi o primeiro acordo do tipo que previa constrangimento para o país que não cumprisse as metas. A outra foi a convenção da diversidade biológica. Ainda que com críticas, você passa duas décadas implementando e melhorando. Na Rio+20 você não só não consegue fazer uma avaliação mais afinada dos 20 anos desde 92, como você também não propôs nada de novo”, diz ele.
O ambientalista vai além. Para ele, “o Brasil tem uma responsabilidade enorme neste retrocesso. Em 92, com uma posição na economia mundial muito menor, o Brasil impulsionou pelo menos essas duas convenções. Agora, na medida em que o país ocupa outro papel na economia mundial, e não quer ver constrangido o seu crescimento, rápido, exponencial, o Brasil toma uma posição limitada, recuada”.
Tautz se atém a essas duas convenções para mostrar a troca de prioridades brasileira. “O país é um dos 15, 17 mais megadiversos do mundo, e não toma nenhuma posição em relação à diversidade biológica. É um dos países na transição entre Em Desenvolvimento e Desenvolvido, com um aumento expressivo de emissões de gases causadores da mudança do clima, e também não toma nenhuma posição a esse respeito”, afirma.
Para o ambientalista, a falta de ambição na Rio+20 é a consequência do padrão de acumulação que o Brasil escolheu. “Esse último ciclo de crescimento econômico é muito revelador de um modelo que necessita ser muito rapidamente implementado, com muito dinheiro público subsidiando, muita violação de direitos humanos e licenças ambientais frágeis ou até fraudadas”.
Na boca do povo
Graciela Rodriguez, da Articulação de Mulheres Brasileiras, também não se convence que o resultado da convenção oficial possa ser visto de forma otimista, mas enaltece a disposição popular em cobrar resultados e propor caminhos. “Eu tenho uma avaliação bastante ambivalente. Por um lado eu sinto uma profunda decepção por um mundo que não consegue se responsabilizar para chegar a acordos necessários que permitam uma vida digna para as pessoas e a sobrevivência do planeta”, atesta.
“Por outro lado, a Cúpula dos Povos foi um sucesso. Levou uma mensagem muito clara: ‘basta de acordos que não se cumpram, basta de irresponsabilidades. Chega de os interesses dos outrora países ricos, das empresas, sendo cada vez mais fortes, mais determinantes em uma agenda que não leva muito em consideração os aspectos democráticos’”, diz Graciela.
Tendo a participação popular como unanimidade, a ministra do Meio Ambiente autocongratula o governo por, segundo ela, ter forjado e apoiado, financeira e logisticamente, essa participação. “Foi a primeira vez em uma conferência sobre desenvolvimento que se trouxe uma declaraç&
atilde;o sobre igualdade racial. E isto foi posto pela sociedade brasileira. Então isso mostra o tamanho do desafio político. Você não tem noção o trabalho que foi para assegurar a equidade entre todos os povos”, lembra ela.
Mulheres
Saindo da pauta diplomática concentrada no Riocentro, ela enaltece “a diversidade da agenda paralela. Talvez só de eventos de mulheres foram mais de 200. Foram mais de três mil eventos paralelos discutindo sustentabilidade. Assim esse assunto saiu daquilo que era ‘uma reserva de mercado’ de alguns segmentos da sociedade e passou a ser de domínio de todos, inclusive daqueles que não entendiam o que significava isso”.
Porém, apesar dos inúmeros eventos lembrados pela ministra, as mulheres saíram perdendo no acordo oficial do Riocentro, que, por pressão do Vaticano, substituiu a parte do texto “direitos de sexualidade e reprodução” por “serviços de saúde” da mulher.
Graciela não consegue não enxergar este capítulo como um retrocesso. “Não vai solucionar o problema ambiental, da sustentabilidade, se não se pensa nos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”, afirma.
Ser ou não ser
O ambientalista Carlos Tautz também não se convence de que o êxito da participação da sociedade civil possa ser dividido com a parte oficial do encontro, o governo, como citou a ministra Izabella Teixeira. Para ele, é uma questão de cada um assumir seus lugares e suas responsabilidades.
“Ocorre que ela é uma ministra de estado. Ela não pode atribuir essa responsabilidade à organização da sociedade. Ela tem que tomar uma atitude. Eu não entendo essa avaliação. Ela se exime na responsabilidade de avançar na discussão de determinados problemas, e atribui à sociedade civil. Então ela que funde uma ONG e vá trabalhar na ONG que ela fundar. Ela é ministra de estado, ela tem que operar uma política de estado. A sociedade civil já faz das tripas coração para se contrapor as barbaridades perpetradas pelo estado brasileiro”, diz ele.