CORTE DE DIREITOS HUMANOS DETERMINA QUE BRASIL INVESTIGUE MORTES NO ARAGUAIA
CORTE DE DIREITOS HUMANOS DETERMINA QUE BRASIL INVESTIGUE MORTES NO ARAGUAIA
Sentença afirma que Lei de Anistia não pode mais ser um ‘obstáculo’ à investigação dos fatos e punição dos responsáveis.
BBC
A Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou o Brasil responsável pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas na Guerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1974, durante o regime militar, e determinou que o governo investigue penalmente os fatos ‘por meio da justiça ordinária’ e puna os responsáveis.
A sentença, divulgada nesta terça-feira pelo tribunal em San José, na Costa Rica, afirma que a interpretação da Lei de Anistia, de 1979, não pode continuar a ser um ‘obstáculo’ para a investigação dos fatos e punição dos responsáveis.
‘Foi analisada a compatibilidade da Lei de Anistia nº 6.683/79 com as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil à luz da Convenção Americana sobre Direitos Humanos’, diz a sentença do caso, chamado de ‘Gomes Lund e outros versus Brasil’.
‘Com base no direito internacional e em sua jurisprudência constante, a Corte Interamericana concluiu que as disposições da Lei de Anistia que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana e carecem de efeitos jurídicos’, afirma a sentença.
‘Razão pela qual não podem continuar representando um obstáculo para a investigação dos fatos do caso, nem para a identificação e a punição dos responsáveis.’
Vítimas
A sentença foi considerada histórica por representantes das vítimas no processo – o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo.
‘A sentença é paradigmática porque permitirá a reconstrução da memória histórica para as gerações futuras, o conhecimento da verdade e, principalmente, a construção, no âmbito da justiça, de novos parâmetros e práticas democráticas’, disse o Cejil em uma nota em que comenta o resultado.
No processo, os representantes das vítimas acusavam o Estado brasileiro de responsabilidade pela ‘detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado’ de cerca de 70 pessoas durante a Guerrilha do Araguaia.
Também pediam à Corte que ordenasse ao Estado adotar medidas para que a Lei de Anistia não continuasse a representar um obstáculo à ‘persecução penal de graves violações de direitos humanos que constituem crimes contra a humanidade’.
A revisão da Lei de Anistia havia sido recusada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em abril deste ano.
Na época, os ministros recusaram, por sete votos a dois, um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil de revisão da lei, para permitir que agentes do Estado acusados de tortura durante o regime militar pudessem ser punidos.
Informação
Na sentença proferida nesta terça-feira, a Corte diz que o Brasil ‘é responsável pela violação do direito à integridade pessoal de determinados familiares das vítimas, entre outras razões, devido ao sofrimento ocasionado pela falta de investigações efetivas para o esclarecimento dos fatos’.
O tribunal também considerou o Brasil responsável pela violação do direito de acesso à informação, por se recusar a permitir o acesso dos arquivos sobre o caso.
‘Esperamos que a administração de Dilma Rousseff demonstre que os governos democráticos não podem fechar os olhos aos crimes do passado e que se empenhe em saldar a dívida histórica do país’, disse a diretora do programa do Cejil para o Brasil, Beatriz Affonso.
‘Já o Poder Judiciário, que é parte do Estado brasileiro, deve cumprir a decisão promovendo a investigação dos crimes’, afirmou.
O Brasil é obrigado a cumprir a determinação da Corte. Uma violação da sentença seria relatada à assembleia geral da OEA (Organização dos Estados Americanos) e, segundo analistas, deixaria o Brasil em uma situação de desaprovação diplomática.